Querido
Irmão Papa Francisco
Primeiro, digo-lhe que os seus discursos aos jovens, ao povo e
ao mundo em diversas oportunidades aqui no Brasil, como sopros do Espírito
Santo, confirmaram o que nos dias 05-07 de julho deste ano nós bispos e clero
de nossa igreja, reunidos em encontro nacional aqui em Goiânia, muito semelhantes
teologicamente ao que o senhor falou, principalmente quanto ao
olhar muito mais para Jesus para vê-lo no meio do povo, na luta pela vivência
da proposta do Reino de justiça e paz, do que para a igreja que se extravia
pelos descaminhos da história. O senhor nos ajudou muito, também. Obrigado.
Na sua passagem aqui juntei-me aos milhões de brasileiros nas
ruas do Rio de Janeiro e de Aparecida, onde o senhor encontrou e rezou com cada
um. Senti-me abraçado pelo senhor como estivesse aqui na minha rua estreitinha
da Vila Nova em Goiânia.
Sua presença entre nós nos devolveu a alegria própria de
nosso povo, que sabe rir até mesmo quando enfrenta grandes tragédias. Observei
que quando o senhor abraçava crianças, jovens, adultos e velhos as pessoas
olhavam-se e olhavam emocionadas ao redor como se pedissem para todos lhes
olharem, também. O senhor ajudou o nosso povo a olhar, a olhar-se a si mesmo
diante de si mesmo e ver-se com alegria. Seu sorriso e lágrimas nos mostrou que
é possível chorar e rir quando amamos e nos solidarizamos uns com os outros.
Suas passagens pelo meio do povo, tanto na favela Varginha
quando pelas ruas de Aparecida no Rio de Janeiro e no Teatro Municipal,
estampou o quanto é gostoso viver com o povo e deixar-se abraçar por ele. O
senhor chegou a dizer que gosta do cheiro do povo. Isso é libertador para nós.
Aqui no Brasil tivemos um ditador, o malfadado General João Batista Figueiredo,
que disse que preferia o cheiro dos cavalos a o cheiro do povo. Muitos dos
nossos candidatos a vários cargos parlamentares e executivos apertam as mãos do
povo, beijam criancinhas e dão abraços somente durante a colheita de votos. Quando
se retiram para seus automóveis e casas lavam as mãos com álcool para se livrarem
das contaminações que o povo traz em suas mãos, principalmente os pobres,
alegam. O senhor bebeu chimarrão em plena rua, usando a mesma bomba dos que lhe
alcançaram as cuias nos trajetos de suas peregrinações no Rio, sem nojo do
povo. Aqui no Brasil tivemos um candidato a Presidente, em quem as elites
investiram para enganar o povo, que foi ao Nordeste e lá comeu sopa de bode com
os mais humildes para depois golpeá-los com o desemprego e com as privatizações
dos bens públicos.
Nos seus discursos o senhor insistiu, com justiça e acerto,
que devemos redescobrir a força da solidariedade. Isso é maravilhoso. Isso é
legitimamente cristão. Jesus nos ensinou a amar-nos uns aos outros e a
partilhar os bens e frutos da terra. Penso que o senhor nem precisaria falar,
como não falou, que são necessárias reformas profundas no País para radicalizar
a solidariedade, para que a solidariedade não seja apenas uma bela palavra, mas
vazia de consequências práticas. Aqui no Brasil a terra continua, como já era
nos tempos da colonização, uso de uma minoria que a utiliza para concentrar
propriedade e poder. Para tanto, usam o poder dos governadores estaduais,
assembleias legislativas, prefeitos, câmara de vereadores, senadores, deputados
federais, ministros do governo federal, ministros do Supremo Tribunal Federal,
que são latifundiários, um deles chegou a inventar uma empresa nos Estados
Unidos para comprar um apartamento em Miami com dinheiro público, para travar a
reforma agrária. As operações que usam com a finalidade de impedir a partilha
da terra com o povo, na geração de alimentos para todos e não para a
especulação no desgraçado mercado internacional, vão desde as pressões nas
instâncias de poder a assassinatos de agricultores, indígenas e de
missionários, como a Irmã Dorothy. A terra no Brasil, Papa Francisco, é de
utilidade iníqua e fonte de injustiça. Seu uso não tem relação alguma com a
solidariedade.
Da mesma forma os territórios urbanos. O católico da “Opus
Dei” em São Paulo, que ainda exerce o governo do Estado, usa a polícia para
expulsar o povo de suas terras e casas. Há pouco promoveu verdadeira matança de
famílias e suas crianças, mulheres e velhos num bairro da Cidade São José dos
Campos, denominado Pinheirinho. “Coincidentemente” o terreno de onde as
famílias foram expulsas para as ruas da amargura eram de propriedade de um dos
maiores criminosos condenados por construir prédios com baixa qualidade técnica
e material, que desabaram matando muitas pessoas no Rio de Janeiro. A polícia
de Geraldo Alckmin e a justiça do Estado de São Paulo não tiveram piedade do povo,
mas estuprou suas mulheres, matou velhos e mulheres, totalmente despida de
solidariedade. As cidades gritam por reforma urbana na busca de justiça em
favor de distribuição de terras para a moradia de todos e não para especulação
imobiliária. Gritam por justiça na mobilidade social através de transportes
públicos e gratuitos de qualidade para o povo, antes de privilégios para
automóveis particulares. É preciso solidariedade nas cidades de modo concreto.
Em lágrimas ouvimos o senhor pedir à juventude que participe
da política. Isso é maravilhoso, principalmente porque o senhor afirmou que a
política é a forma maior para expressarmos generosidade. O senhor reafirmou o
velho princípio descoberto por Aristóteles e amplamente reafirmado por Santo Tomás
de que todos somos políticos. Os parlamentares e executivos exercem cargos
eletivos políticos para nos representar com justiça nas instâncias de poder.
Mas o ser político é privilégio de todos nós. Evidentemente que o senhor
aconselhou que fossem generosos no exercício político, que sejam solidários. Plenamente
de acordo. É isso que buscamos ao lutarmos desde a colonização contra a escravatura,
contra a opressão colonial europeia, depois contra o imperialismo americano;
contra a ditadura militar, profundamente antidemocrática e atentatória aos
direitos humanos; contra o neoliberalismo, essa face triste e terrorista do
mercado imperialista internacional e na implantação de modelo político e
econômico mais humano na realização de emprego, distribuição de renda, ainda
que muito incipiente e carente de avanços. Neste momento nosso País carece de
reforma política que expresse mais a solidariedade; que liberte as eleições da
compra que empresas poderosas fazem de candidatos e eleitos, desviando as ações
políticas de sua nobre finalidade de atender o bem comum.
O senhor pediu aos jovens que cultivem a cultura do encontro e
do diálogo. Nada mais bíblico e justo do que o encontro das pessoas em
celebrações, em famílias, com os amigos, jovens e velhos, com o País, com a
história rica em heróis e exemplos de dignidade. Isso é maravilhoso. Porém, no
mesmo momento em que senhor sorridente, querido e simpático, nos incentivava a irrigarmos
a cultura do encontro e do diálogo as TVs comerciais, notadamente a TV Globo,
transmitiam suas falas, certamente apegadas à enorme audiência que o senhor
atraiu. Contudo, essa rede de TV é fruto de acordos diabólicos com os Estados
Unidos para manipular a opinião pública em favor dos interesses dominantes e
colonialistas. O grupo que controla os negócios dessa empresa nesse momento
promove o desencontro com a sociedade brasileira no privilegiamento de setores
da classe dominante. Conta com funcionários que comprovadamente servem ao
governo estadunidense repassando informações dos movimentos no Brasil. Não abre
espaços para as lideranças populares nem permite que os que apoiam os governos
Lula e Dilma participem e se expressem
pelos seus canais. Suas mensagens são geralmente catastróficas contra o atual
modelo político-econômico que favorece os pobres e os trabalhadores. Acusam de
desnecessários os programas sociais, dizendo que incentivam a preguiça e a
vagabundagem. Apoiam os grandes bancos e pressionam o Banco Central do Brasil a
subir os juros para favorecer o voraz sistema financeiro, que não tem piedade
do povo e dos trabalhadores. Ao subir os juros os bancos sugam, como potentes
aspiradores de pó, a economia do povo e do governo, corrompendo os
investimentos na produção, que geraria mais empregos e fortalecimento da
educação, da saúde, dos transportes, das habitações populares e de outros bens
do povo. Apesar de absorverem grande quantidade de recursos públicos abominam
as coisas do povo e da democracia. O senhor, numa entrevista à TV Globo,
alertou para o perigo da manipulação da juventude. Pois é isso que essa empresa
de comunicação e outras fazem: manipulam dados estatísticos, informações e as
notícias para manter o povo imerso nas trevas que encobrem a consciência da
realidade. Isso é desencontro feito da maneira mais perversa e mentirosa
possível. Isso é o contrário da cultura do encontro e do diálogo, pelo
contrário, fragilizando a força da comunhão, tão fundamental para a sociedade.
O senhor acentuou a necessidade de a juventude alimentar a
esperança. A esperança é a mola propulsora da utopia. Mas a esperança de quem
sai de si mesmo, de quem vai às ruas, de quem é revolucionário, de quem é
missionário, discípulo do Jesus que foi à luta, mesmo no enfrentamento da cruz,
como o senhor disse à juventude. Porém, Papa Francisco, grupos dominantes desde
a opressão imperialista, passando por associações fascistas no Brasil, tentam,
de todas as maneiras, matar a esperança da juventude e do nosso povo. Usam a
mídia, a polícia, parlamentares e governantes de direita para abortar tudo o
que significa sonho com uma sociedade justa e fraterna. Por isso sua mensagem
se reveste de maior importância. É preciso insistir na esperança, mas a esperança
em plena luta e solidariedade.
O senhor conversou seriamente com os bispos do Celam. Sua
fala transmitida pela TV Aparecida foi rica de inspiração a que os pastores se
despojem da ideia de serem príncipes para serem servidores do povo. Esse foi um
dos pontos que mais me comoveu. O senhor ofereceu-lhes o modelo evangélico de
ministério pastoral, vivenciado por Jesus, distante de tronos e privilégios do
poder de exploração. Nossa história brasileira guarda exemplos de bispos do
tipo que o senhor propôs: Dom Helder Câmara, que chegou a propor ao Papa que
vendesse o Vaticano e fosse morar numa periferia; de Dom Pedro Cassaldáliga,
bispo de posseiros, de indígenas, de pequenos agricultores, que até hoje é
perseguido por proprietários que pagam jagunços para matá-lo; do Cardeal Paulo
Evaristo Arns, homem extremamente democrático, que lutou pelos direitos
humanos, que assustava os próprios militares de plantão durante a ditadura que
sombreou de trevas o Brasil de 1964 a 1985; de Dom Thomas Balduíno, da Diocese
de Goiás, aqui deste Estado, fundador da CPT e lutador até hoje dos direitos
dos agricultores e indígenas. Certamente
são santos bispos cujo exercício pastoral fundamenta suas preocupações.
Ao terminar, retorno ao início dessa carta sobre a alegria
que o senhor imprimiu e deixou entre nós e não somente aos alegres e amados
jovens da Jornada. Lamento apenas que músicas e músicos dos sem terra, das
pastorais da terra, das comunidades eclesiais de base e de outras, ricas em
protesto e proposta de luta pela justiça, não fossem entoadas e cantadas em
Copacabana. Tenho certeza de que a alegria alicerçada na realidade da
militância pela concreta solidariedade seria muito mais completa e profunda.
O senhor criticou as ideologias e não mencionou a luta de
classes nem a opressão imposta pela classe dominante. Porém, as portas foram
abertas para crescimento também nesse sentido. Vi isso na pessoa e no discurso
do jovem professor Walmyr Junior, que representou a sociedade civil ao lhe falar
no Teatro Municipal do Rio. Walmir mora numa favela, milita na pastoral da
juventude, militou no DCE e milita num partido de esquerda. Não tenho dúvidas
de que Dom Orani sabe de tudo isso e de que o incentivou a simbolizar uma
abertura de luta nesse sentido, com reconhecimento de que a opressão não cai do
inferno nem é causada por satanás abstrato, mas que é produto da classe
dominante, por um lado, e da classe dominada que se aliena, de outro. Também
percebi essa análise em intelectuais e teólogos que comentavam os eventos com
sua visita ao Brasil pela TV Aparecida, aliás, a única TV brasileira séria na
interpretação da JMJ e de sua peregrinação. Dou os parabéns à direção daquela
empresa, aos seus jornalistas e funcionários.
Rezo pelo senhor, Papa Francisco. Concordo com o senhor de
que não importa a denominação a que pertençamos. O que importa é saber se
lutamos para superar as injustiças e libertarmos as pessoas da miséria e da
pobreza.
Com todo o respeito e fraternidade, abraços críticos e
fraternos na boa luta pela justiça e pela paz.
Dom Orvandil Moreira Barbosa: bispo cabano, farrapo e republicano.
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