Querida amiga e Profª Elisandra Cabral
Já te disse pessoalmente e através do
Facebook que cultivo imensa admiração por ti. És dotada de valores que te caracterizam
como mulher moderna: és muito bonita, inteligente, formada com profundidade e esforço
intelectual; és dinâmica, generosa com teus colegas e com os alunos, e, muito
importante, és uma mulher simples, sem as vaidades balofas que as dondocas
gostam de ressaltar. Alegrei-me quando me chamaste para compartilhar comigo tua
linha filosófica de pesquisa do doutorado. Li o material que me deste e guardei
com carinho.
Ontem tivemos uma pequena discussão,
sempre respeitosa, mas honesta e corajosa, coisas difíceis para certas pessoas,
não para nós dois. Trocamos impressão sobre os pontos de partida da crítica que
devemos fazer ao analisarmos fatos e pessoas.
Por falar em crítica e em análise
volto à questão das amplas marchas de protesto que se empreenderam ontem
(17/06/13) por 12 capitais e inúmeras cidades brasileiras. Muitos países e seus
movimentos sociais solidarizam-se com o que aconteceu aqui. Notícias e debates
rolam pela internet e pelo noticiário. Ontem postei aqui (abaixo) uma avaliação
do meu querido amigo, professor e intelectual militante Thomas de Toledo. Ele
praticamente escreveu do meio da marcha da qual participava em São Paulo.
Portanto, o depoimento dele tem muita autoridade.
(Aliás, minha amiga Elisandra, se há coisa que
abomino é opinião de falso intelectual – alienado e arrogante, que em nome de
teorias livrescas e descarnadas de realidade militante – ousa criticar quem se
entrega à luta. Enojo-me também e me canso rapidamente com opinião de religioso
de altar e enclausurado de igreja, que vive se arrastando aos pés de Deus e de
todos os santos pedindo que resolvam os problemas ou que acabem com o mundo “pecador”.
Outro tipo que me extenua é o pessoal de direita. Comportam-se como os religiosos
enclausurados: dogmáticos, moralistas, oportunistas e fechados. Não analisam a
realidade, mas falam a partir dos chips ideológicos e mecânicos instalados em
seus empobrecidos cérebros).
Voltando, não há como ignorar a
marcha que “inesperadamente” colocou mais de um milhão de pessoas nas ruas do
Brasil. Jovens, estudantes, trabalhadores, camponeses, sem moradia, pastorais
sociais e tantos outros seguimentos de nossa sociedade. A chama que disparou o
protesto foi o aumento das passagens de ônibus em todo o País. Porém, em seu
bojo, como num tsunami, há muita coisa de forma caótica e desorganizada,
inclusive oportunismos de direita e da esquerda “porra louca”. Esta se equivoca
ao dar material para a direita, para os neoliberais e a mídia colonizada
utilizarem o movimento com fins golpistas. É sempre a mesma verdade: a extrema
esquerda deixa de ser esquerda quando parte para a agressividade violenta e, em
nome de agenda anarquista, oferece de bandeja o movimento de lutas para a
direita, sempre sedenta de terror e de justiciamento moralista. O oportunismo
de direita avalia que tudo isso acontece porque o povo se insatisfaz com o
governo Dilma e pede para voltar ao neoliberalismo. Estão aí o etílico Aécio
Neves e o botox Álvaro Dias a vomitar ódio contra o governo. Claro, muitos papagaios,
sem senso de reflexão, correm a repetir o que os serventuários da casa grande discursam.
É preciso atenção para os riscos de incêndio alimentado por esses traidores.
Eles não titubeariam em incentivar militares, empresários, religiosos, a mídia,
grandes proprietários a entregar tudo ao imperialismo e golpear a democracia. Caprilles
da Venezuela e a “oposição” da Síria são suas inspirações.
Quanto ao protesto contra a majoração
dos preços das passagens a marcha cobre-se de razão e merece todo o nosso
apoio. Por trás do problema, e como sua causa, movimentam-se a máfia dos
transportes coletivos – que só são coletivos por que se movem sobrecarregados
de pessoas, que, não verdade, são empresas privadas e individuais. Os “empresários”
do transporte de veículos de pneus e de trilhos sugam diariamente o povo através
de passes caríssimos e de serviços de péssimas qualidades, aliás, sem qualidade
nenhuma.
A causa disso é o empreendimento de
um bem público entregue à iniciativa privada, como bem escreve noutro artigo o meuamigo prof. Thomas Toledo, não nos vê como cidadãos, mas como clientes que lhes
dão lucro. Ora, clientes são anônimos, sem consciência, sem alma, sem noção de
direitos e de justiça. Suas “necessidades” são sondadas por “pesquisas” de demandas
e nunca conhecidas por pressão e por luta.
Alienado não luta, apenas consome.
A privatização, a meu juízo, é uma
praga que inferniza a sociedade e amordaça nosso povo. Para os empresários que
usam os bens que deveriam servir o povo o que interessa são os lucros gerados
pelos serviços comercializados e pagos a altos preços e não o bem estar do
povo. Com os lucros auferidos compram eleições, patrocinam candidaturas e
elegem prefeitos, vereadores, governadores, deputados e senadores, que emergem
das urnas com seus rabos presos à ganância dos que patrocinaram suas campanhas.
Esses empresários, segundo eles pensam e dizem, não são bobos: “investem” em
campanhas eleitorais para eleger sua gente e cobrar as faturas mais tarde em
froma projetos de lei e de aprovação de planilhas dos preços que eles quiserem.
Essa é uma das mais fortes razões para sermos contra o privatismo e sua
ideologia, o neoliberalismo, infelizmente ainda dono do poder no Brasil, em
todas as instâncias, desde a pequena prefeitura municipal ao governo federal.
Outra contradição que atenta contra a
qualidade do transporte que deveria ser coletivo é o privilégio da mobilidade
privada através do automóvel. Certamente já percebeste que milhões de
automóveis enchem as ruas levando uma ou duas pessoas enquanto os ônibus, em
número inferior às necessidades de movimento humano nas cidades, movem-se
sempre insuportável e desconfortavelmente lotados. A política de
desenvolvimento com geração de empregos “vomitou” automóveis que entupiram o
Brasil, nas ruas e estradas, em detrimento de mais ônibus, barcos e trens. Isso
sem falar no massacre do ambiente, agredido pela quantidade de partículas
lançadas pelos motores na natureza.
Portanto, minha querida amiga
Elisandra, penso que há certa mediocridade na agenda de protestos do passe
livre. A mediocridade evidentemente é maior da mídia que alega que esse
movimento vale somente R$0,20 (vinte centavos). Na verdade vale muito mais com
uma agenda correta. A luta deveria ser pela estatização do transporte coletivo.
Esse é um bem coletivo que deve ser administrado pelo Estado e por conselhos
populares, sem a mesquinhez do lucro que os empresários donos do transporte
coletivo aplicam na bolsa de valores, em compra de grandes fazendas, de aviões
e até na sustentação de caprichos de filhos vagabundos, como vi numa empresa em
Marília, São Paulo. A corrupção nesse campo é imensurável.
Portanto, devemos apoiar o movimento
que certamente crescerá se bem dirigido com o apoio das centrais sindicais, dos
sindicatos, da UNE, da UBES, do MST, das pastorais sociais, dos partidos e de
todo o povo. Certamente evoluiremos mais maduros e educados politicamente depois
desse movimento. Mobilizações de Facebook não se sustentam e derivam facilmente
para os braços do nada e da direita oportunista. Nosso povo desperto da
alienação consumista avançará noutras lutas: reforma agrária, abandonada por
Lula e por Dilma; reforma urbana, para libertarmos as cidades das especulações
imobiliárias safadas; da saúde, para liberarmos esse serviço do tripé picareta
dos laboratórios, das clínicas particulares e das indústrias e atravessadoras
de remédios; do sistema financeiro para arrancarmos de cima da sociedade a
ladroagem dos bancos, que se locupletam com nossa miséria ao invés de servirem
como instituições de fomento de investimentos de projetos sociais e de
desenvolvimento.
Enfim, minha querida amiga profª
Elisângela, sinto-me muito feliz pelos sinais que se demonstram de mudanças
necessárias em favor da justiça e da paz. Que venham mais!
Abraços críticos e fraternos na luta
pela justiça e pela paz.
Dom Orvandil: bispo cabano, farrapo e
republicano.
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