Dói-nos profundamente ver pela TV a
enorme dor da mãe do patriota e herói do povo, Hugo Chávez. Cá com meus botões
acolho a dor dela e tento imaginar o que a grande mulher venezuelana e
latinoamericana sente ao olhar para o cadáver inértil do filho que se gastou na
luta pela libertação do seu povo. Dona Elena Frías não arreda os pés do lado do
esquife. Suas lágrimas juntam-se ao sangue derramado por milhões de mulheres
indígenas e pelas negras africanas brutalmente assassinadas e prostituídas pelos
colonizadores europeus. Ao lado das filhas, mulheres que acompanharam o líder
que fustigou e enfraqueceu a besta fera do norte e promoveu milhares de filhos
da Pátria, antes jogados nos calabouços da miséria, da pobreza que não vem dos
céus como gostariam os amantes de dízimos e viveiros da miséria alheia, dona
Elena abre os braços para consolar suas netas, mulheres tão jovens que perdem o
pai para ganhar os exemplos de um verdadeiro homem libertário.
Dona Elena Frías representa as
mulheres lutadoras latinoamericanas e de todo o mundo. Deu à luz ao filho Hugo
Chávez para entregá-lo à missão de libertar com inteligência e espírito de luta
os filhos de milhões de outras mães. Dona Elena chora as lágrimas de dor que
todo o povo venezuelano chora e lustra o rosto para, através dos olhos
encharcados, contemplar filas e filas de mais filhos de corações partidos, que desfilam
pelo caixão, mas de almas infladas pelos exemplos do herói que tomba, na
manifestação cívico libertária não desejada, mas que se projetará eternamente.
Uma vez participei do velório de uma
jovem professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Muito jovem
morreu num acidente insignificante. Sua mãe na despedida gritava que nunca se
preparou para a morte de nenhum filho. Para ela a ordem natural da vida agendava
que a lógica indicava o contrário, quebrada agora com morte tão violenta e
prematura. A mídia noticiou ontem as últimas palavras de Hugo Chávez: “não
quero morrer, não me deixem morrer. Eu quero viver”. O filho da dona Elena
lutou até o fim, sem desânimo e covardia. Chávez não queria morrer porque a
luta por mais vidas dignificadas exigia que vivesse. Não duvido da denúncia de
Nicolás Maduro que disse que os Estados Unidos são responsáveis pela morte do
líder revolucionário. A beta do norte é experiente na prática de crimes contra
os heróis do povo.
Desde muito cedo convivo com mulheres
lutadoras. Sempre digo aos meus alunos: lutar é um conceito, trabalhar é apenas
outra coisa, nem sempre muito marcante. Há mulheres que juntam os dois:
trabalham e lutam. Há outras atropeladas pela alienação promovida pela opressão
capitalista que trabalham sacrificadamente, mas não lutam. Conheço muitas heroínas
fragilizadas, sem consciência e forças para a luta. Desgastam-se como velas no
deserto, sem nada iluminar. Tombam como quer a opressão, apenas gastas e esvaídas
pelo trabalho escravo. Há outras que aproveitam todos os espaços para lutar e
conscientizar homens e mulheres que vale a pena lutar pela libertação. Quando
em sala de aulas, instrumentalizam-se dos estudos para levantar questões sobre
a luta e a dignidade humana, de olho na escravidão produzida pelo capitalismo
cruel e na liberdade construída e desenhada por suas mãos fêmeas e por sua
consciência aguerrida. No trabalho somam-se a sindicatos e partidos, sempre
tomando partido dos injustiçados na construção da justiça social libertadora. São inquietas e até irritadas com as bonecas
de porcelana que só sabem burguesamente se enfeitar para nada, sempre à sombra
de provedores machistas e escravocratas. Numa oportunidade ao dar aulas em
cursos de pós graduação aqui no interior de Goiás me deparei com uma aluna
lutadora. No domingo pela manhã minhas alunas e alunos participariam de uma
atividade acadêmica que valeria nota. A dita aluna, esposa de um portador de deficiência
da fala, mudo e surdo, pediu para conversar comigo sobre o trabalho que faríamos
no domingo. Disse-me que naquele horário participaria de uma atividade de luta
com sua categoria em greve. Conversei longamente com ela. Convenceu-me do valor
de sua luta pelos direitos dos/as trabalhadores/as e da participação no
movimento pelo julgamento do governador corrupto deste Estado. Não tive dúvidas,
negociamos que seu trabalho acadêmico naquele dia seria ir à atividade sindical
e depois relatar sua experiência. Aquela minha aluna não era apenas uma
trabalhadora, era também lutadora!
Infelizmente perdi minha mãe muito
cedo, morta aos 38 anos de existência, vítima de câncer no útero, lugar corporal
geradora de vida. Mas nunca a perdi na minha retina e na minha consciência.
Vezes sem conta a escutei chorando quase silenciosamente, com ódio da pobreza e
do machismo. Sempre me apoiou quando eu, muito “malandro na adolescência”,
fugia para me reunir com crianças e outros adolescentes na igreja, na minha
igrejinha do Redentor em Alegrete - RS. Meu pai me proibia de todas as maneiras
e encontrava formas de me impedir de me juntar com aquela gente que não
trabalhava, segundo ele preconceituosamente acusava. Conversei com minha mãe e
lhe expus que lá eu aprendia a conhecer Jesus, que lá estudava a Bíblia, que lá
me encontrava com pessoas muito especiais, que lá eu poderia crescer e ajudar
minha gente a crescer. Expliquei que lá conheci a tenente Anany Haiguerthy, um
perseguido pela ditadura que desde cedo me ensinou a ver a face do Jesus do
povo, lutador libertário dos mais pobres. Convenci-a a me ajudar a fugir nas
quartas-feiras, nos sábados à noite, nos domingos pela manhã e à noite para
ouvir coisas maravilhosas sobre a marcha dos escravos em direção à terra
prometida e sobre as lutas de Jesus para salvar o povo da miséria e da opressão
romana e da casta político religiosa que o massacrava na Palestina. Como minha
aliada, dona Irma passou a inverter as ações: esforçava-se para desviar a
atenção do meu pai para que eu fugisse para ir à igreja, de onde sai para o
mundo para me encontrar ainda mais com Jesus nos caminhos de Chê Guevara, de
Fidel Castro, de Olga Luxemburgo, de Olga Prestes e de centenas de outras com
quem convivi na clandestinidade, quando lutamos contra a ditadura.
Minha mãe não sabia o que era
libertação, o que era a luta diferenciada do “trabalho” como meio de exploração
nem eu sabia lhe explicar direito. Mas passo a passo ela e eu percebemos o quanto
o machismo, produto da exploração capitalista assimilada pelos cegados
trabalhadores, e a exploração mal tratam e destroem a beleza da vida e das
mulheres. Dona Irma era atenta para as investidas de Leonel Brizola e João
Goulart. Certamente despertaria para a luta se não fosse colhida pela morte
prematura e fruto da injustiça que mata por falta de conhecimento da
consciência dos direitos humanos. Certamente dona Elena Frías sabe muito mais
do que a minha mãe. Sabe da luta de seu filho e sabe das lágrimas das outras
mulheres que se perfilam ante o caixão do filho que ela abençoou e entregou à
missão libertária. Dona Elena sabe que esse Dia Internacional da Mulher é
inesperadamente o mais injusto para ela e para o povo venezuelano. Dona Elena
perdeu seu filho amado, amante da vida e da luta. Mas dona Elena em sua dor
ouviu muitas vezes, desde a doença de Hugo que, principalmente de sua morte,
que seu filho em forma de luta corajosa nunca morrerá na consciência e no
alimentar os filhos da América e se libertar do cruel, bandido e assassino
imperialismo.
Parabéns a todas as mulheres que lutam
libertariamente. Forças às mulheres que criam seus filhos para entregá-los à
luta. Votos de consciência às mulheres que apenas trabalham, no afã de
conseguir poucas coisas nessa vida, nem sempre claramente definidas, que
vagamente as pessoas chamam de paz, saúde e felicidade. Parabéns a cada uma que
me lê, tanto as que amam e respeitam os que lutam por outro mundo possível como
as que me odeiam balbuciando que não tenho jeito mesmo, que morrerei velho sem
desistir da luta, graças à pequena liberdade que minha mãe lá no início ajudou
a construir para que eu degustasse uma nesga de luz, não para mim
egoisticamente, mas para a humanidade.
Abraços críticos e fraternos na luta
pela justiça e pela paz.
Dom Orvandil: bispo cabano, farrapo e
republicano, filho da dona Irma e admirador da dona Elena Frías, mãe do nosso
irmão Hugo Chávez, mártir da luta libertária.
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