Meu querido
amigo Pastor Silvio
Meincke
Folguei em alegria por saber que estás bem aí na Alemanha.
Achei interessante tua disposição como dono de casa, cuidando das crianças
enquanto tua esposa pastoreia igrejas. És um exemplo de homem participativo e
companheiro. Lembro de nossas conversas profundas no Rio Grande do Sul. Eras
uma das boas cabeças no mundo evangélico com quem valia a pena conversar.
Guardo muita saudade de ti. Se me escreveres alguma coisa postarei aqui como
contribuição aos milhares de leitores em todo o mundo.
Agradeço também teu
acesso diário a esse blog. Sei de muitas pessoas que traduzem e fotocopiam
textos daqui e os espalham por murais e até promovem debates com alunos universitários
e de ensino médio em torno do que se discute nessa humilde página. Neste ano
pretendo encontrar alguém que patrocine a edição de um livro reproduzindo os
principais postes deste sítio.
Posto nesta página um longo mas interessante texto de Natalia
Viana da Carta Capital, sobre o mau
papel dos Estados Unidos no golpe do Paraguai, derrubando nosso irmão e
companheiro, bispo Fernando Lugo. Com detalhes horripilantes Natalia descreve
passo a passo da senda suja do golpe promovido pelos Estados Unidos contra a
democracia e a soberania deste País irmão Latino Americano. Tal programa do
golpe específico não é diferente de todos os outros perpetrados contra o Brasil
em 1964, promovendo a ditadura militar nazi-fascista , que produziu muito
derramamento de sangue e fechamento à autonomia nacional, e de todos os outros
golpes produzidos posteriormente em todo a América do Sul, matando Chê Guevara,
inclusive. Todos os atos brutais golpistas são arquitetados deste as embaixadas
estadunidenses, como aconteceu no Brasil com o embaixador Lindon Gordon, que
reunia os lacaios do imperialismo para urdir o assassinato da liberdade.
Quer dizer, os Estados Unidos se acham o deus que manda e
desmanda nas senas dos dramas que se desenrolam nos palcos de nossos Países.
Não há dúvidas de que continuamos sob a mira das mesmas ameaças. O Leviatã do
norte está muito mais enfraquecido, mas continua forte e golpista. Há que
sermos muito sérios e cuidadosos na defesa da democracia e nos avanços em
direção a mais aperfeiçoamento até chegarmos no socialismo, já que o capitalismo
já deu o que tinha para dar, ainda que nunca dê nada a ninguém, pelo contrário,
só tira e rouba.
Abaixo reproduzo o maravilhoso texto de Natalia Viana. Boa e
pacienciosa leitura, meu irmão. Desejo muita raiva contra essa produção de
injustiças e muita paciência na luta!
Abraços críticos e fraternos na disposição da luta por
justiça e paz.
Dom Orvandil: bispo cabano, farrapo e inter-republicano.
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A influência dos EUA no impeachment de Fernando Lugo
Por Natalia Viana*
Carta Capital
No dia 22 de março de 2012, em cerimônia no Palácio Nacional, outro diretor do programa Umbral, o americano Matthew Langhenry, recebeu uma medalha ao mérito da Polícia Nacional Paraguaia as mãos de seu comandante, Paulino Rojas, que durante um ano e meio trabalhou próximo à USAID no programa Umbral. Rojas, treinado pelo FBI em um curso na Virgínia em 1998, colocou com cuidado a medalha no peito do colega americano. “Doamos mais de US$ 2 milhões em equipamentos para a polícia, mas o mais importante é que juntos reformamos a grade curricular da academia policial, juntos reformamos o colégio de suboficiais”, discursou Langhenry, suando de calor. Com a medalha no peito, encerrou: “Juntos escrevemos o primeiro manual de uso da força para a Polícia Nacional no Paraguai e juntos reformamos o regulamento disciplinar”, concluiu com seu sotaque carregado.
O Umbral é o coração da estratégia americana para o Paraguai. Um estudo realizado pelo instituto paraguaio Base-IS demonstrou que o volume de recursos destinado ao Umbral só é comparável à primeira década da ditadura de Alfredo Stroessner – que durou 35 anos e recebeu o apoio decisivo do governo dos EUA assim como as demais ditaduras da região.
Ao negar o recurso, em 20 de setembro, o presidente da Corte e relator do processo,Victor Nunez, fez uma avaliação quase surreal: “Como se trata de um procedimento que tecnicamente não é jurisdicional, as garantias próprias do processo judicial, embora possam ser aplicáveis, não o são de maneira absoluta, mas parcial, com o objetivo de garantir o devido processo e o direito de defesa do acusado”. Os advogados de Lugo tiveram exatas 17 horas para preparar a sua defesa, e duas horas para defendê-lo no Congresso.
*Colaborou Jeremy Bigwood
Carta Capital
Na véspera do julgamento do impeachment que o destituiu da
presidência do Paraguai em 22 de junho do ano passado, Fernando Lugo
reuniu-se com o embaixador norte-americano James Thessin na capital
Assunção. A reunião estava marcada havia muito tempo, bem antes da
matança de Curuguaty – uma operação policial de reintegração de posse na
região de Curuguaty que deixou 17 mortos no dia 15 de junho de 2012, e
foi usada como argumento pelo Congresso para depor Lugo uma semana
depois.
Seguindo o protocolo, Thessin convidou Lugo para a recepção de
celebração ao 4 de julho, data da independência americana, a ser
realizada na embaixada, que toma um quarteirão inteiro no centro da
capital paraguaia. “Mas você está me convidando para eu ir como
presidente ou como cidadão?”, indagou Lugo. “Como presidente, é claro”,
tranquilizou-o Thessin.
Lugo já não era mais o presidente do Paraguai no dia 4 de julho e não
compareceu à cerimônia, que teve direito à execução dos dois hinos
nacionais, refrescos e tira-gostos. A data marcava o fim de uma semana
de trabalho duro em relação à deposição do ex-bispo da presidência e à
ascensão do seu vice, o liberal Federico Franco, ao poder. Um trabalho
que envolveu mais do que diplomatas americanos e foi realizado
silenciosamente – os EUA só se pronunciaram sobre o Paraguai 20 dias
depois do impeachment.
No dia anterior à festa, 3 de julho, a
missão da Organização dos Estados Americanos (OEA) liderada pelo
secretário-geral José Miguel Insulza tinha deixado o país. Durante três
dias o grupo havia se reunido com representantes de todos os partidos
políticos, da Igreja, da Corte Suprema, com empresários, jornalistas,
donos de veículos de comunicação, lideranças indígenas, com o atual
presidente Federico Franco e seu chanceler e até com o próprio Lugo.
Insulza levou representantes “de vários grupos geográficos” para
integrar a missão, conforme descreveu em seu relatório. Nenhum, porém,
da América do Sul. O grupo que foi ao Paraguai para averiguar a crise
era composto pela embaixatriz dos EUA na OEA, Carmen Lomellin; pelo
embaixador do Canadá, Allan Culham; do Haiti, Duly Brutus; de Honduras,
Leónidas Rosa Bautista; e do México, Joel Hernández.
A missão da OEA se posicionou no sentido contrário ao Mercosul e
Unasul, que suspenderam o Paraguai por considerar que o impeachement
representava uma ruptura no jovem processo democrático paraguaio pelo
tempo exíguo concedido à defesa do presidente no julgamento – menos de
17 horas. Insulza defendeu a legitimidade do processo-relâmpago, que
estaria respaldado pela Constituição paraguaia, e minimizou as críticas
feitas pelas organizações regionais: “É natural que a situação que
ocorreu no Paraguai tenha gerado reações negativas”, escreveu em seu relatório,
“mas isso não é exatamente uma novidade no hemisfério”. Também sugeriu
que a OEA deveria aumentar sua presença no país até as eleições
presidenciais, marcadas para abril de 2013. “Em 10 meses o Paraguai vai
ter eleito autoridades com completa legitimidade democrática”, concluiu.
No dia seguinte à publicação do informe da OEA, o governo de Barack
Obama declarou seu apoio a Federico Franco. “Não há razões para que o
Paraguai seja suspenso da OEA”, afirmou a secretária-adjunta de Estado
para as Américas, Roberta Jacobson, em uma conferência de imprensa. “O
que realmente queremos é focar no futuro”, disse. “Vejo o Paraguai como
uma forma de nos unirmos na região para apoiar a democracia paraguaia e
não como um tema que exacerbe as divisões”. “Então não foi um golpe de
Estado?” – questionou um jornalista. “Não vou responder a essa
pergunta”, retrucou, irritada, a secretária.
As sanções do Mercosul e Unasul também foram rechaçadas pela Câmara
de Comércio Paraguaio-Americana (Pamcham), entidade que reúne
empresários americanos e paraguaios alinhados à política exterior dos
EUA. Antes ainda da posição oficial americana, a Pancham qualificou como
“inaceitável” a intromissão do Mercosul e da Unasul. O presidente
honorário da PamCham é o mesmo embaixador James Thessin.
Lugo não estava errado ao indagar o embaixador americano sobre seu
futuro quando convidado para o 4 de julho. Afinal, o apoio dos EUA é
fundamental para o futuro de qualquer governo naquele país. As
reticiências dos americanos em relação à sua presidência foram bem
descritas pela antecessora de Thessin na embaixada, Liliana Ayalde, que escreveu em telegrama
enviado em 7 de dezembro de 2009, e vazado pelo Wikileaks: “Temos sido
cuidadosos em expressar nosso apoio público às instituições democráticas
do Paraguai – não a Lugo pessoalmente”.
Ayalde, hoje à frente da seção Caribe, América Central e Cuba do
Departamento do Estado, foi ainda mais clara ao afirmar que havia
prevenido o ex-bispo sobre os “benefícios” de manter uma relação próxima
com os EUA, “sem permitir que ele use o apoio da embaixada como um
salva-vidas”.
A influência americana sobre o Paraguai não era apenas uma questão
diplomática. Através de doações administradas pela USAID de mais de US$
100 milhões (em cinco anos) a empresas, ONGs e órgãos governamentais
dificílimos de monitorar, os americanos garantiram a proximidade com
diversas esferas de poder no Paraguai. “Atores políticos de todos os
espectros nos procuram para ouvir conselhos”, resumiu a ex-embaixadora
Ayalde no mesmo relatório confidencial. “E a nossa influência aqui é
muito maior do que as nossas pegadas”, pontuou.
O treinamento das forças de segurança paraguaias estavam entre os
principais programas financiados pela USAID. Entre 2005 e 2010, mais de
mil militares e policiais foram treinados – a maioria em 2009, ano
seguinte à posse de Lugo – e dali saíram alguns comandantes das Forças
Armadas nomeados por Franco quando assumiu o poder. A Polícia Nacional
foi a responsável pela operação que resultou na matança de Curuguaty. O
Ministério Público, que baseou-se exclusivamente em depoimentos de
policiais para atribuir aos camponeses a culpa pelo massacre, e a Corte
Suprema, que negou dois recursos movidos pela defesa de Lugo, também
foram contemplados com programas financiados pela USAID.
Um dos mais influentes defensores dos interesses americanos no
Paraguai é Michael Eschleman, um americano cinquentão com uma longa
história no país, que dirige o Programa de Democracia da USAID. Em 1985,
ainda sob a ditadura do general Alfredo Stroessner, Eschleman foi
voluntário do Corpo da Paz (Peace Corps), uma agência governamental que
leva jovens voluntários do primeiro mundo a países pobres e já foi
acusada de infiltrar espiões. Eschleman chegou a gerente de treinamento e
diretor da Peace Corps antes de assumir o comando da USAID no Paraguai.
O programa mais importante de sua gestão é o Threshold – Umbral em
espanhol –, que recebeu recursos de mais de US$ 60 milhões nos últimos 5
anos.
Documentos obtidos
pela Agência Pública através da Lei de Acesso à Informação dos EUA
revelam que antes mesmo da votação do impeachment o diretor de
Democracia da USAID já planejava seus passos com o novo governo:
“Comecei a fazer reuniões internas para avaliar e traçar uma estratégia
sobre a melhor maneira de manter o andamento dos programas no novo
governo”, explicou Eschleman em um email às 17h20 do fatídico 22 de
junho para a direção da Millenium Challenge Corporation (MCC), agência
financiadora ligada ao Congresso americano. Observando que “às seis
horas, Franco já deve ser presidente”, Eschleman escreveu:
“Provavelmente vai levar alguns dias para saber quem serão os novos
ministros e como podemos abordar a nova liderança para garantir não só
estabilidade nos programas, mas a habilidade para caminhar adiante”.
Mas, ressaltou, a mudança governamental significava “boas novas” para a
USAID: “Franco e a sua equipe conhecem muito bem o programa Umbral
porque trabalharam próximos a nós nos últimos anos”.
Duas horas depois o diretor da USAID enviou outro email contando que,
logo após o discurso de posse, o novo presidente nomeou novos
ministros. Mais “boas novas”: “Tanto o ministro do Interior (Carmelo
Caballero) quanto o novo Chefe da Polícia (Aldo Pastore) trabalharam
conosco no programa Umbral, e são pessoas que chamaríamos de aliados!”
Depois, sobre o ministro de Finanças, Manuel Ferreira Brusquetti, e o
chefe de Gabinete de Franco, Martín Burt, celebrou: “Conhecem e
respeitam a USAID, e trabalharam conosco no passado”.
Em outro email, enviado no dia 9 de julho, Eschleman explicou o
silêncio da missão americana durante as primeiras semanas
pós-destituição: por causa do “processo de impeachment, da troca de
administração e da atenção internacional aos eventos locais, a USAID tem
mantido um low profile”, escreveu. E acrescentou: “A embaixada está
esperando o relatório da delegação da OEA ao Conselho Permanente. Até
lá, os funcionários da USAID não participam de reuniões ou eventos
públicos com membros do governo”.
Mas, da parte do MCC, o receio de que houvesse alguma reviravolta
política já havia se dissipado. Foi assim que a diretora da MCC escreveu
para Eschleman no dia 5 de julho: “A poeira já abaixou um pouco? Nós
conversamos sobre o Paraguai aqui e não achamos que há ações para serem
tomadas em relação a preocupações de elegibilidade”.
O massacre de Curuguaty
No dia 22 de março de 2012, em cerimônia no Palácio Nacional, outro diretor do programa Umbral, o americano Matthew Langhenry, recebeu uma medalha ao mérito da Polícia Nacional Paraguaia as mãos de seu comandante, Paulino Rojas, que durante um ano e meio trabalhou próximo à USAID no programa Umbral. Rojas, treinado pelo FBI em um curso na Virgínia em 1998, colocou com cuidado a medalha no peito do colega americano. “Doamos mais de US$ 2 milhões em equipamentos para a polícia, mas o mais importante é que juntos reformamos a grade curricular da academia policial, juntos reformamos o colégio de suboficiais”, discursou Langhenry, suando de calor. Com a medalha no peito, encerrou: “Juntos escrevemos o primeiro manual de uso da força para a Polícia Nacional no Paraguai e juntos reformamos o regulamento disciplinar”, concluiu com seu sotaque carregado.
Três meses depois, Paulino Rojas daria a ordem de reintegração de
posse que levou à matança de Curuguaty – e à deposição de Lugo. Foi uma
desocupação polêmica, para dizer o mínimo, pois o terreno ocupado pelos
sem-terra não tinha título de propriedade válido, o que motivou o
Instituto de Terras do Paraguai a pedir diversas vezes a suspensão da
reintegração.
Mesmo dentro da Polícia Nacional muitos queriam adiar a ação por
temer o conflito – incluindo o chefe policial da região, Ariovaldo
Sanauria, subalterno direto de Rojas, que insistiu com que a ação fosse
postergada. “O chefe de Operações Especiais, Comissário Erven Lovera,
abatido, pedia aos gritos aos seus superiores que essa operação não se
realizasse”, contou à imprensa outro policial, o Comissário Principal
Carlos Núñez Agüero. Lovera foi o primeiro policial a ser morto no
conflito. Era irmão do chefe de segurança pessoal do então presidente
Fernando Lugo. Nenhum desses temores foram informados ao ministro do
Interior de Lugo, Carlos Filizolla, pelo comandante Paulino Rojas, segundo o próprio ex-ministro.
O fato é que nas primeiras horas do dia 15 de junho 324 oficiais
cercaram 70 camponeses – o tamanho desproporcional da força tampouco foi
informado ao ministro do interior. A operação policial foi marcada pela
violência e abusos, conforme apurou a organização Plataforma de Estudio
e Investigación de Conflictos Campesinos (PEICC). Seis policiais e 11
camponeses morreram. Dezenas de trabalhadores rurais foram presos
sumariamente apenas por estarem no local e há relatos de torturas,
suspeitas de execuções e sinais de alteração da cena do crime. (Leia a
reportagem completa aqui)
Entre os policiais do Grupo de Operações Especiais (GEO) que
encabeçaram a desocupação do terreno, pelo menos dois foram treinados
pelos Estados Unidos: em março de 2009, Cesar Horacio Medina e Nelson
Dario Zaracho Ocampos participaram de um treinamento do programa de
Assistência a Antiterrorismo do Departamento de Estado americano em
Assunção, segundo documentos vazados pelo Wikileaks.
O programa Umbral
O Umbral é o coração da estratégia americana para o Paraguai. Um estudo realizado pelo instituto paraguaio Base-IS demonstrou que o volume de recursos destinado ao Umbral só é comparável à primeira década da ditadura de Alfredo Stroessner – que durou 35 anos e recebeu o apoio decisivo do governo dos EUA assim como as demais ditaduras da região.
Financiado pela Corporação do Desafio do Milênio (MCC, em inglês) e
lançado em 2006, o programa é uma espécie de “ajuda preliminar” a países
pobres para melhorar seus índices “transparência”, “justiça” e
“liberdade econômica” antes de aceder ao grande bolo da MCC: os
programas Compactos, com verbas de US$ 100 milhões a US$ 700 milhões.
Projetos desenvolvidos com o Ministério Público, a Controladoria Geral, a
Corte Suprema, o Congresso, a Receita Federal e o Ministério das
Finanças, Indústria e Comércio receberam US$ 34,6 milhões até 2009.
Os resultados, porém, foram pífios, de acordo com uma auditoria da
própria USAID, que produziu um documento mostrando que muitos objetivos
não foram atingidos e o governo de Nicanor Duarte Frutos não estava lá
muito interessado em persegui-los. Um laboratório forense financiado
pelos EUA permaneceu sem uso por dois anos; um programa para aumentar a
transparência e o monitoramento das atividades do Congresso foi
abandonado “por causa da falta de vontade política”; o investimento nas
atividades da alfândega ficou restrito à capital Assunção, enquanto o
contrabando continuava a todo vapor na fronteira; dez dos doze barcos
doados para patrulhamento fronteiriço não entraram em operação; um novo
sistema de carteiras de identidade e passaportes, implementado e
financiado pela USAID, acabou gerando polêmica com a acusação de
favorecimento de uma empresa americana no processo de licitação.
Mesmo assim, o governo dos EUA assinou um novo contrato de
assistência com o Paraguai no valor de US$ 34 milhões em 2009, já sob o
governo de Fernando Lugo. Na cerimônia de lançamento do Umbral 2, a
então embaixadora Liliana Ayalde não titubeou ao declarar à imprensa que
todas as metas e objetivos da primeira fase haviam sido cumpridos, e
que a segunda fase buscava “afiançar a democracia e consolidar as
instituições do Estado paraguaio”.
Na divisão dos recursos do Umbral 2, a Polícia Nacional recebeu a
maior verba, US$ 9,4 milhões; seguida pelo Ministério Público: US$ 5,5
milhões, além dos US$ 6,2 milhões que havia recebido na primeira fase do
programa. A Corte Suprema recebeu US$ 5 milhões em ambas as fases.
Foi esse mesmo Ministério Público, na pessoa do promotor Jalil
Rachid, que sem ouvir nenhum camponês concluiu que eram eles os
responsáveis pelo massacre, encarcerando 14 sem terra e emitindo mandato
de prisão contra outros 54 – alguns nem estavam presentes durante a
reintegração de posse. A conclusão de Rachid foi respaldada pelo
Promotor Geral do Estado, Javier Díaz Veron. Em setembro, Verón também
emitiu um parecer recomendando à Suprema Corte que negasse o segundo
pedido de inconstitucionalidade feito pelos advogados de Lugo por causa
do tempo exíguo dado à defesa durante o impeachment. A Suprema Corte
rejeitou o recurso. Clique aqui para ver o documento.
Fazendo a corte em Nova York
Ao negar o recurso, em 20 de setembro, o presidente da Corte e relator do processo,Victor Nunez, fez uma avaliação quase surreal: “Como se trata de um procedimento que tecnicamente não é jurisdicional, as garantias próprias do processo judicial, embora possam ser aplicáveis, não o são de maneira absoluta, mas parcial, com o objetivo de garantir o devido processo e o direito de defesa do acusado”. Os advogados de Lugo tiveram exatas 17 horas para preparar a sua defesa, e duas horas para defendê-lo no Congresso.
Seis meses antes, Nunez e os demais membros da Suprema Corte haviam
se reunido com o diretor da USAID para América Latina e Caribe, Mark
Feierstein, para falart sobre o programa Umbral. Feierstein declarou ao
final do encontro: “Estamos trabalhando com a Corte Suprema contra a
corrupção e para que o sistema judicial seja mais efetivo e mais
eficiente para o povo paraguaio”, afirmou. “Reconhecemos o êxito
alcançado, é um exemplo para outros países”.
Não era bem isso que dizia a embaixadora Liliana Ayalde nos despachos
enviados em 2009 ao Departamento de Estado. Na mesma época em que
destinava 2,5 milhões de dólares à Corte no programa Umbral, em um
despacho diplomático Ayalde afirmava que a Corte, “ampla e
corretamente”, era vista como corrupta, mais focada “em interesses
políticos e pessoais do que em questões legais”. E escreveu: “A
interferência política é a norma; a administração da Justiça se tornou
tão distorcida, que os cidadãos perderam a confiança na instituição”.
“O controle político da Suprema Corte é crucial para garantir
impunidade dos crimes cometidos por políticos hábeis. Ter amigos na
Suprema Corte é ouro puro”, escreveu no despacho, em 25 de agosto de
2009. “A presidência e vice-presidência da Corte são fundamentais para
garantir o controle político, e os Colorados (oposição a Lugo) controlam
esses cargos desde 2004. Nos últimos cinco anos, também passaram a
controlar a Câmara Constitucional da Corte”.
Três anos antes do julgamento político de Lugo, ela escreveu: “Esta
câmara é famosa por tomar decisões controversas e arbitrárias. (….) Para
os aliados de Lugo, obter controle da câmara é fundamental para
prevenir um possível impeachment”.
Mas não era Lugo que detinha o controle da Corte, como mostraram os
fatos. Um mês depois de emitir seu voto, o presidente da Corte, Victor
Nunez, participou da primeira comitiva internacional do novo presidente
Federico Franco – que se dirigiu à Assembleia Geral da ONU, em Nova
York.
Foi a estreia de Franco no cenário internacional, na qual ele
participou, bem como todos os chefes de Estado, de um jantar oficial
promovido pelo anfitrião Barack Obama no pomposo hotel Waldorf Astoria.
Na ocasião, Franco teve oportunidade de tirar uma foto ao lado do
mandatário americano, junto com sua esposa e a primeira-dama Michelle
Obama, elegantemente apropriados para a gala da noite. Desde então – se
passaram já quatro meses – a mesma foto orgulhosamente estampa a
abertura de o site oficial da presidência do Paraguai.
*Colaborou Jeremy Bigwood
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