Renúncia evidencia clima de 'guerra civil' no Vaticano
CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A ROMA
ENVIADO ESPECIAL A ROMA
O
dia seguinte ao anúncio da renúncia de Bento 16 evidenciou ainda mais o
ambiente de guerra civil no Vaticano que boa parte dos especialistas
aponta como a razão de fundo para a sua decisão, muito mais que o peso
da idade.
O
melhor resumo está no editorial de capa do sóbrio "Corriere della
Sera", assinado por ninguém menos que seu diretor, Ferruccio de Bortoli.
Diz que o ato do papa "foi certamente encorajado pela insensibilidade
de uma cúria que, em vez de confortá-lo e apoiá-lo, apareceu, por
diversos de seus expoentes, mais empenhada em jogos de poder e lutas
fratricidas".
Reforça
Massimo Franco, do Instituto Internacional de Estudos Estratégicos de
Londres, autor do premiado "Era uma Vez um Vaticano": a renúncia do papa
seria, para ele, "o sintoma extremo, final, irrevogável, da crise de um
sistema de governo e de uma forma de papado".
Bento
16 é apontado como um dos culpados por essa crise de sistema de governo
até por quem, como o vaticanista Luigi Accattoli, elogia aspectos de
seu papado: "Bento 16 iniciou uma grande obra de limpeza em matéria de
escândalos sexuais e de finanças vaticanas, mas não conseguiu
restabelecer a boa ordem na Cúria" (o órgão administrativo da Santa Sé,
que coordena e organiza o funcionamento da Igreja Católica).
A
pergunta seguinte inescapável é esta: a renúncia será suficiente para
pôr fim ao que Bortoli chamou de "lutas fratricidas" ou, ao contrário,
servirá para acentuá-las de forma que o lado vencedor imponha seu
preferido para ocupar o trono de Pedro?
Paolo
Griseri se atreve a responder, em texto para "La Repubblica",
escolhendo a segunda hipótese: "O que esteve dividido durante o
pontificado de Bento 16 permanecerá dividido no conclave e nos dias que o
precederão".
O mais paradoxal na guerra civil no Vaticano é que ela não se dá mais entre os chamados "progressistas" e os "conservadores".
Estes
venceram e reduziram o outro lado à impotência e/ou ao silêncio, para o
que Joseph Ratzinger foi essencial, em seu longo período à frente da
Congregação para a Doutrina da Fé, antiga Inquisição.
Os
contornos do novo conflito são mais embaçados, até porque a Igreja
Católica está impregnada de uma cultura do segredo. Mas parece tratar-se
de uma disputa entre o velho e o novo.
Um
pouco nessa linha seguiu Juan Arias, o correspondente de "El País" no
Brasil e que, em seu longo período no Vaticano, tornou-se um dos mais
respeitados analistas da igreja no mundo.
Arias
minimiza a importância da discussão sobre se seria melhor "um papa
latino-americano, africano, asiático ou de novo europeu e, mais
concretamente, italiano".
Para
ele, "importante é que o sucessor de Bento 16 seja capaz de entender
que o mundo está mudando rapidamente e que de nada servirá à igreja
continuar levantando muros para impedir que lhe cheguem os gritos de
mudança que provêm de boa parte da própria cristandade".
É
curioso que Arias, um leigo progressista, coincida com o próprio papa,
notório conservador, que, no texto em que anunciou a renúncia,
atribuiu-a à falta de forças para "o mundo de hoje, sujeito a mudanças
rápidas e agitado por questões de grande relevância para a vida da fé".
É
razoável supor que o papa estivesse se referindo a temas como a
necessária limpeza dos pecados que a igreja acobertou (os padres
pedófilos), o casamento entre pessoas do mesmo sexo, o celibato dos
padres, o papel da mulher na vida da igreja.
Resta
saber se um colégio cardinalício feito à imagem e semelhança de
Ratzinger tem, entre seus membros, número suficiente de purpurados
abertos ao mundo capazes de conduzir um dos seus ao trono de Pedro.
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