Prezado Jornalista João Franzin
A comoção e a raiva são sentimentos
que nos dominam em face da tragédia provocada em Santa Maria – RS. Ontem
escrevi aqui uma crônica que expressa revolta pelo que a fome de lucro foi capaz
de causar em termos de um desastre que teve menos relação com acidente e muito
mais com culpa por falta de políticas públicas responsáveis e justas para a
diversão e para o turismo. Tal falta de consciência faz da Corporação de
Bombeiros escritório leviano de baixo nível técnico-científico para examinar e
aprovar o funcionamento de tais casas de diversão e das prefeituras, igualmente
transformadas em escritórios subornáveis, sob as pressões dos proprietários
gananciosos e apressados para aproveitar eventos sociais e altas temporadas de
formaturas para faturar, mesmo à custa de vidas promissoras. A mídia eletrônica através dos blogues mais
conscientes não pára de criticar as grandes empresas de comunicação que tudo
fazem para obter audiência em cima da dor da tragédia.
Porém, caro Franzin, como não poderia
ser diferente, por tratar-se de um jornalista assessor sindical, tu levantas a
questão dos/as trabalhadores/as da boate, geralmente agredidos/as e
desrespeitados/as. Primeiro, nenhum órgão da mídia dominante levantou pergunta alguma
sobre eles/as nem do que aconteceu nem sobre quantos/as morreram nem quantos/as se feriram. Nem mesmo jornalistas,
até segunda orientação, que são trabalhadores/as também, não se preocuparam com
os/as trabalhadores/as da boate. Ontem as poderosas Globo e SBT entrevistaram
dois integrantes da banda “Gurizada Fandangueira”, que se apresentaram como empregados
do grupo e só. Segundo, denuncias que a mídia burguesa não esboça o mínimo
interesse pelos/as trabalhadores/as, geralmente brutalmente explorados/as. É verdade.
Essa é a prova cabal de que tudo é tratado com o único interesse capitalista: lucrar
e tirar vantagens. Daqui a pouco ninguém mais falará sobre essa matança de
jovens e de trabalhadores/as, porque já dará mais lucro.
Abaixo colei tua matéria levantando
as preocupações com os/as trabalhadores/as da boate. Segue em frente,
companheiro.
Abraços críticos e fraternos, sem
desistir da luta pela justiça e pela paz, jamais!
Dom Orvandil: bispo cabano, farrapo e
republicano.
*********************************************************************************
*João Franzin.................................................................................................................
Em nenhuma, rigorosamente, em nenhuma cobertura da imprensa sobre a tragédia na boate Kiss,
em Santa Maria, eu ouvi falar em trabalhador. Será que nenhum
funcionário morreu no incêndio? Será que nenhum empregado ficou ferido?
Será que não ocorre aos jornalistas (um batalhão deles no local) perguntar sobre a condição de quem trabalhava na boate?
Não sei o que ocorria na Kiss,
em Santa Maria. Mas nas grandes cidades, em regra, as condições de
trabalho desses funcionários são ruins: muita informalidade, ambiente
agressivo, jornada esticada nos dias de balada, som alto, convivência
com usuários de drogas (usa-se muito droga sintética e álcool), entre
outras. Em São Paulo, muitos antigos barracões de fábrica são adaptados
para esse tipo de estabelecimento.
A Agência Sindical,
onde trabalho, tentou desde as primeiras horas da manhã da segunda (28)
falar com algum representante do Sindicato local (Secohtur). Por volta
das 11h15, conseguimos falar com a secretária da entidade. Ela informou
que estavam com dificuldades de apurar o ocorrido com os empregados,
porque tanto os advogados da boate e o escritório que administra a
empresa se negavam a dar informações ou citar nomes de eventuais
vítimas.
Mas, atenção: a mesma secretária do
Sindicato (que seria filiado à Nova Central) dizia haver boatos sobre “a
falta” de sete funcionários. Parece que, na hora do sinistro, 23
trabalhavam no local.
Não tivemos como falar com nenhum dos
diretores do Sindicato porque todos estavam mobilizados no atendimento
às vítimas e ajudando no que cabia. Conseguimos o telefone da diretora
Rejane, que havia viajado para Porto Alegre, e tentávamos falar com ela,
a fim de levantar informações mais detalhadas.
Não vou a boates porque é o tipo de
ambiente que me irrita. Mas sei que são locais barulhentos, cheios de
gente e que muitos estabelecimentos funcionam de forma improvisada, sob
vistas grossas das autoridades. Na Zona Sul de São Paulo (e em outros
locais descolados), enquanto os playboys se divertem, os trabalhadores
se desdobram para dar conta das tarefas, não raro em jornadas
extenuantes e ainda tendo de aguentar desaforo de bêbado.
A imprensa só mostra o suposto
glamour desses locais, que costumam ilustrar as colunas sociais de
segunda linha. Quando acontece tragédia, aí a mídia se mobiliza, a fim
de faturar com a desgraça alheia. Sobre quem trabalha, como trabalha,
quanto ganha, que jornada cumpre, silêncio.
A Agência Sindical,
sem querer adotar uma postura quixotesca, está atrás de responder uma
pergunta elementar: o que aconteceu com os trabalhadores da boate Kiss?
*João Franzin é jornalista
e assessor sindical
e assessor sindical
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Seus comentários serão publicados. Eles contribuem com o debate e ajudam a crescer. Evitaremos apenas ofensas à honra e o desrespeito.