Paulo
Moreira Leite
Muitas pessoas ficaram surpresas quando Joaquim
Barbosa mencionou Dilma Rousseff no Supremo. Para reforçar a ideia de compra de
votos, Joaquim citou um depoimento em que Dilma se confessou surpresa com a
rapidez com que o Congresso aprovou o novo marco regulatório de energia
elétrica.
A mensagem do voto do ministro, exaustivamente
repetida pelas emissora de TV, tem um elemento malicioso.
A “surpresa” de Dilma seria, claro, era uma
prova do mensalão. O ministro não disse, mas permitiu que todos ouvissem: sem o
mensalão, o marco regulatório não teria saído com a rapidez que surpreendeu a
ministra-presidente.
A resposta do Planalto, em nota oficial, foi
rápida. Responsável pelas negociações do marco regulatório ocorridas no Senado,
Aloizio Mercadante também se manifestou.
O fato é que essa insinuação me parece uma
consequência lógica da visão que Joaquim Barbosa está imprimindo ao julgamento.
Ele acredita que encontrou crimes até onde não é
possível demonstrar que tenham ocorrido.
Falando com franqueza: para entender a “surpresa”
revelada pela ministra, não é preciso enxergar tudo com malícia. É preciso
considerar o chamado contexto. Pensar em política como o exercício humano e
insubstituível de negociar, avançar e ceder.
No início do governo Lula, a oposição tucana fazia
o possível para criar problemas para os petistas, em várias áreas. Mesmo na
Previdência, onde o PT deu continuidade a uma reforma planejada por FHC,
o PSDB fingia que nada tinha a ver com o assunto. Queria dar o troco para Lula,
criando dificuldades artificiais, como a antiga oposição lhe fizera. Mostrar
boa vontade com iniciativas de Lula, naquele momento, era mostrar-se fraco e
adesista diante de seus eleitores. Era quase uma traição perante cidadãos que
haviam dado seu voto para candidaturas tucanas só por amor à causa,
quando todo mundo sabia que não tinham a menor chance.
O marco de energia era especialmente delicado por
uma razão política conhecida. No segundo mandato de FHC, a falta de
energia impediu a retomada de crescimento econômico, submetendo os
brasileiros a um vexame inesquecível de racionar o uso de energia num país com
todo esse potencial elétrico que todos nós sabemos.
A surpresa vem daí. Depois de blefar e ameaçar, os
tucanos também concordaram em votar com o governo na sala de Mercadante.
A política é assim. Não é engenharia. Não é equação
matemática. Inclui dissimulação, esperteza, ações dissimuladas. Não é
contabilidade.
Pode incluir a corrupção — como acontece em vários
lugares, o que levou a Eliane Calmon a querer saber até o que acontecia na
Justiça.
Mas é preciso apurar, investigar e esclarecer. No
caso de crime, apurar, ouvir as partes e acusar. É errado apenas mencionar, não
é mesmo?
Respeito Joaquim Barbosa. Conheço seus títulos e
sua formação. Acredita no que fala e diz. Mesmo quando discordo, devo admitir
que está longe de fazer denuncias “mequetrefes”, para empregar um termo que se
tornou obrigatório no julgamento.
Mas eu acho que essa insinuação fora de lugar
não ocorre por acaso.
A menção a Dilma foi apenas uma manifestação – um
pouco exagerada, digamos – de uma atitude típica de um julgamento que avança
numa imensa carga de subjetividade.
Várias vezes, Joaquim falou que é preciso examinar
o contexto da denúncia, o contexto da ação dos acusados e assim por diante. Mas
não considerou o contexto do apagão, este evento gigantesco, demolidor,
humilhante para um país e sua população.
Imagino que, tecnicamente, o nome Dilma era uma
menção até desnecessária. Tenho certeza de que num inquérito de milhares e
milhares de páginas seria possível encontrar exemplos equivalentes e até mais
enfáticos. Tenho certeza de que é possível demonstrar que houve compra de
votos, em alguns casos, e apenas apoio político a um aliado, em outros.
A diferença é que nem sempre estes casos
envolviam uma autoridade que, de ministra passou a presidente da
República.
Politizando a justiça, pode-se dizer que a citação
a Dilma jogou o julgamento para …2014.
O voto de Joaquim Barbosa, mais uma vez, foi aos
tele jornais. Foi repetido, reprisado…Sabe o que aconteceu?
Salomão Shwartzman, radialista e jornalista muito
experiente, já lançou um comentário dizendo que o PSDB deveria convidar Joaquim
para disputar a presidência da República.
Tudo é política. Mesmo o que não parece.
Na biografia de José Alencar, Eliane Cantanhede
descreve o encontro entre Lula e seu vice, José Dirceu e Waldemar Costa
Neto, onde se debate uma aliança política e a consequente coleta de
recursos financeiros. Se fosse hoje, alguém mais afogado que
estavam combinando um assalto.
Mas a descrição deste acordo político de campanha é
tão bem feita, tão clara, que os advogados de Delúbio Soares incluíram vários
parágrafos sobre o “rachuncho”—a expressão, bem humorada, é de Eliane – nas
suas alegações finais de seu cliente.
Sabemos que a criminalização da política tornou-se
parte da estratégia da acusação para condenar o maior número possível de
acusados. Vamos combinar que ajuda a sustentar a tese de que não havia
recursos para campanha eleitoral – mas compra de votos no Congresso.
Admito que eles simplesmente não conhecem os fatos
que estão julgando, não tem familiaridade com o mundo das tratativas e
negociações e acham tudo suspeito, estranho…
Considerando a baixa credibilidade dos políticos,
apostar que todo mundo é ladrão pode ser uma vulgaridade – mas é uma forma de
garantir, com facilidade, apoio popular a medidas que podem ser justas ou
arbitrárias.
Minha experiência com a humanidade permite dizer
que já tive contato com momentos de grandeza, coragem, solidariedade. Também
tiver a infelicidade de testemunhar imensas baixezas.
Mas não me lembro de ter visto relatos – nem em
ficção – de repulsa a linchamentos.
Acabo de ler a notícia de que alguns procuradores
já estão preocupados com o indulto de Natal dos réus do mensalão. É assim:
dando de barato que eles serão condenados, o que parece cada vez mais provável,
a preocupação agora é impedir que passem o Natal com a família… Mais um pouco e
teremos de acionar a Comissão da Verdade, que investiga crimes cometidos por
representantes do Estado contra direitos humanos, para ver o que está
acontecendo em nossa democracia…
É justiça, isso? Ou é vingança?
Como já disse aqui, eu acho que o mensalão produziu
delitos de todo tipo. Também acho que havia caixa 2 e dinheiro publico
desviado. São crimes diferentes, que a legislação trata de forma
diferente porque lá atrás aquele personagem oculto e onipresente que os
advogados chamam de O Legislador entendeu que era assim.
Ao ignorar as diferenças, quem perde é a
democracia.
Parabéns ao autor da reflexão, perfeita estruturação de ideias e utilização de argumentos. Português impecável, o que é raríssimo de se ver nos dias de hoje, tão raro quanto encontrar honestidade em um futuro candidato a presidência. Imerso na ignorância e na escassez da educação o povo Brasileiro sucumbi diante da qualidade global de encenar dos candidatos a presidência.
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