O Poder dos Poderes
EM SEU primeiro ato de despedida, o ministro Ayres Britto transmitiu
sobre o Judiciário a opinião de um Poder que se distingue, nos três
Poderes, pelos sacrifícios com que se dedica à sua missão sem, por isso,
receber o reconhecimento e, muito pior, a compensação pecuniária:
"O Poder Judiciário é o mais cobrado, o mais exigido e o menos
perdoado", resumiu o presidente do Supremo Tribunal Federal. Logo iria
pedir a inclusão de aumento do Judiciário no Orçamento de 2013.
A visão desde as alturas é muito especial, sobretudo quando se trata da
pirâmide humana -seja composta por motivo de posses, de cultura,
profissionais e outros. De fora do cume, não se percebe outro Poder mais
"cobrado" do que o Executivo, tanto em seu nível federal, como no
estadual e no municipal.
Ao Executivo segue-se o Legislativo, cujo conceito rasteiro sobre os
políticos e os partidos diz o suficiente a respeito do seu Poder e das
benesses de que desfrutam. Já o Judiciário é aquele Poder do qual é
comum os cidadãos esperarem uma definição por 10, 20, até 30 anos. Há
pouco houve menções a uma causa com meio século de hospedagem nos
recantos do Judiciário. Uma ação trabalhista pode durar cinco e mais
anos. Sobre o Supremo mesmo, há dias foi noticiado que se aproximam das
três mil as ações que esperam, em suspenso, os acórdãos devidos pelo
STF. Os vencedores não sabem quando sairão.
O volume de trabalho nos juizados é grande, sim, e não é incomum que
julgadores correspondam à dedicação necessária. Mas, como
ministra-corregedora do Conselho Nacional de Justiça, Eliana Calmon teve
a eficiência e a coragem de expor realidades clamorosas (há quanto
tempo esse ruim adjetivo estava sumido, desgastado por tantas aplicações
cabíveis) de todos os tipos e no Judiciário pelo país afora.
Essas realidades só existem em razão de um fator: o Judiciário não é
"exigido" em nada e por ninguém. Nem pode sê-lo. O povo e os outros dois
Poderes não têm como exigir-lhe coisa alguma -assim o regime o exige.
Nem sequer pode influir em sua composição: para a primeira e a segunda
instâncias há concurso e, também para a segunda e as últimas, há a
escolha e o lobby.
O "menos perdoado"? Se nada é "cobrado", nada é ou pode ser "exigido" -a
despeito do que todos sentem e o próprio Conselho Nacional de Justiça
reconhece-, o perdão é, na prática, absoluto. E até premiado. Nenhum dos
Poderes goza de mais conforto e maior luxo, nos seus níveis superiores,
do que o Judiciário.
Os três Poderes estão em dívida enorme com o país. Todos muito aquém,
nos seus respectivos níveis, do que lhes caberia em reciprocidade mínima
pelo que recebem graças ao sistema tributário injusto. Mantido por ação
conjunta dos três.
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