Querido amigo Jonathan
Hoje, dia 11 de setembro, é
momento de tristes lembranças e sinal de que o sistema de dominação dos poderosos sobre
os que lutam contra as injustiças, a miséria e a pobreza é muito mais terrível
do que os olhos nus de interpretação percebem. Hoje recordamos dos quarenta
anos em que a América Latina se cobriu de trevas com o golpe que Pinochet deu
contra o Chile, levando seu presidente constitucional, o grande patriota
Salvador Allende, ao suicídio.
Lembro bem daquele fato. Eu
morava e estudava no seminário. Logo depois que sai da aula de teologia
abracei-me ao rádio para escutar as transmissões de Santiago. Acompanhei cada
movimento de resistência do povo nas ruas lutando contra o golpe e os ruídos das
patas dos cavalos cavalgados pelos golpistas. À tardinha veio a notícia da morte
do profeta latino americano, o Presidente socialista Salvador Allende, morto
com um tiro do fuzil, que ele sempre tinha em seu gabinete no Palácio de Las
Monedas, que tive a honra de conhecer. O líder, depois de enfrentar tremenda
crise de abastecimento no País com prolongada greve dos caminhoneiros, movidas
(crise e greve) pelos Estados Unidos, acuado não contou mais com defesa, com
seus amigos quase todos mortos e presos.
Depois da morte do Presidente
sucedeu-se o terror em todo o País, marcado por prisões, torturas e mortes de
trabalhadores, estudantes, líderes camponeses e religiosos. Nesse contexto cai
o grande líder comunista e poeta internacionalmente conhecido, amado e
respeitado, o grande poeta Pablo Neruda. Hospitalizado morreu logo, no dia 22, cuja morte é suspeita de ser provocada por envenenamento pela ditadura terrorista. O seu velório
foi cercado por militares fiéis ao ditador Augusto Pinochet. Porém, no enterro,
em dado momento, como se fosse uma luz frágil e crescente desde o meio da densa
escuridão que se iniciava com a tirania militar, como que a fazer coro com alma do poeta, numa
resistência à morte e ao sufocamento da liberdade sagrada, ergue-se a voz de
uma mulher, que grita ao lado do caixão de Neruda, também uma manifestação
contra o golpe: “companheiro Pablo Neruda!” E foi seguida pelo coro unânime do
cortejo: “Presente! Agora e sempre!”
E ela continuou:
"Não estás morto,
não estás morto.
Estás apenas dormindo.
Como dormem as flores
quando o sol se reclina.
[Companheiro Pablo Neruda!
Presente! Agora e sempre!]
"Não estás morto,
não estás morto.
Estás apenas dormindo.
Como dormem as rosas
em seu talho de espinho."
Na manhã do dia 11 de setembro de
2001 eu trabalhava no centro de Caxias do Sul quando recebi uma ligação de casa
referindo-se ao bombardeio das torres gêmeas do prédio World Trade Center em
Nova York. Busquei sintonizar a televisão para compreender de que se tratava. As
notícias que inundaram a destorcida mídia relatavam, mostravam imagens e reportagens
de cadáveres, de fumaça, de gente correndo em todas as direções, querendo conhecer
as causas do que parecia ser o fim do mundo. Realmente para 2996 pessoas o
mundo terminou. Ninguém em todo o mundo sabia explicar as razões e autorias do
confronto de dois aviões com os resistentes e vetustos prédios na capital
mundial dos negócios e trustes das riquezas do mundo.
Mais tarde, com cara de vampiro
sedento de sangue, o presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, atribuía as
causas do atropelo das torres gêmeas a Bin Laden e a Sadan Hussein, presidente
constitucional do Iraque. No púlpito da catedral vendida da Igreja Episcopal de Washington,
o sanguinário ocupante da Casa Branca prometeu vingança, ódio, guerra e
matança. E não deu outra: incentivado pelas multinacionais do petróleo e das fábricas de armas, espalhou terror pelo mundo desde as articulações para
unir os países europeus em torno da fome de vingança do império até o desfecho
dos horrores. Em nome do revanchismo comercial dos
poderosos bombardeou o Afeganistão, o Iraque e a Líbia, até destruir e
derrubar sua última trincheira de resisitência, apossando-se de seu petróleo e de suas riquezas.
É verdade que quase três mil
pessoas morreram em Nova York no dia 11 de setembro de 2001, lamentavelmente. Mas
o terror do império, em nome da vingança e do ódio, em busca de possíveis
responsáveis, espalhou mentira e calúnias por todos os lados, matou milhões
de inocentes. Pior, acabando com possibilidades de reconstruir seus países e
vidas nas próximas décadas.
Então hoje necessariamente lembramos
desses dois fatos, o que matou Allende e o que despejou a morte pelo mundo. Os
dois ligam-se intimamente, porque os dois são decorrência do pior dos males no
mundo, o imperialismo. Este decide quem viva e quem morra. Pensa-se como o todo
poderoso que manda e desmanda, espionando e manipulando todos os cidadãos do
mundo.
Tenho a impressão, Jonathan, de que
a maioria das pessoas se acostuma com esse estado permanente de morte. Assim,
ao ignorar o que a todos ameaça, vive em redoma, movida por pura
superficialidade. Para fugir do impacto permanente do terror que nos ameaça, invés
de reagir, embriaga-se na alienação que torna tudo isso indolor. Nesse torpor as relações são fingidas e
pobres de manifestações superficiais.
Daí os cumprimentos são falsos e
vazios de coração e de mente. Os gestos obedecem ao mecanismo do artificial e
do convencional, sem beleza, sem arte e sem coragem. Pessoalmente abomino a
fastidiosa pergunta que todos fazem, sem o menor senso de compromisso e de responsabilidade:
“oi, tudo bem?” Quando dou aulas um sujeito sempre, ao me encontrar, pergunta: “tudo
bem, professor?” Sei que não gosta de mim, que preferia não me ver porque sou
perturbação constante à sua sensibilidade amortecida pela alienação, mas
fingidamente me faz repetida e rotineiramente a mesma pergunta. Ufa!
E assim as pessoas vivem, andam,
atravessam as ruas, correm, “estudam” e trabalham, sem nunca se importar com ninguém,
preferindo imaginar um mundo com os Estados Unidos como paraíso e Barack Obama como presidente negro fiel às raízes e pacifista: uma coisa linda e maravilhosa.
Epa Jonathan, também não é sempre
e totalmente assim com todas as pessoas. Na correnteza dos insensíveis sempre
há alguém como Juan, que reconhece no seu companheiro trabalhador alguém que
merece atenção, que merece respeito, que merece a reverência do comprimento
abraçado e alegre dos justos. O cumprimento quente que pode salvar Juan e a
todos da morte, esta traiçoeira que pode surpreender e chegar mesmo sem as bombas
terroristas de Obama.
Sinceramente Jonathan, a notícia que posto abaixo me comove, me transforma, me questiona e me pede
para ser gente melhor. Quero ser igual ao Juan. Sugiro que leias, é comovente.
Abraços críticos e fraternos na
luta pela justiça e pela paz.
Dom Orvandil: bispo cabano,
farrapo e republicano.
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Juan trabalhava numa fábrica de
distribuição de carne. Um dia, quando terminou o seu horário de trabalho, foi a
um dos frigoríficos para inspecionar algo, mas num momento de azar a porta
fechou-se e ele ficou trancado lá dentro.
Ainda que tenha gritado e batido na porta com todas as suas forças, jamais o poderiam ouvir. A maioria dos trabalhadores estava já em casa e no exterior da arca frigorífica era impossível ouvir o que estava acontecendo lá dentro.
Cinco horas mais tarde, quando Juan já se encontrava à beira da morte, alguém abriu a porta. Era o segurança da fábrica e este salvou a vida de Juan.
Juan perguntou ao segurança como foi possível ele passar e abrir a porta, se isso não fazia parte da sua rotina de trabalho, e ele explicou:
Ainda que tenha gritado e batido na porta com todas as suas forças, jamais o poderiam ouvir. A maioria dos trabalhadores estava já em casa e no exterior da arca frigorífica era impossível ouvir o que estava acontecendo lá dentro.
Cinco horas mais tarde, quando Juan já se encontrava à beira da morte, alguém abriu a porta. Era o segurança da fábrica e este salvou a vida de Juan.
Juan perguntou ao segurança como foi possível ele passar e abrir a porta, se isso não fazia parte da sua rotina de trabalho, e ele explicou:
“Eu trabalho nesta fábrica há 35 anos, centenas de trabalhadores entram e saem a cada dia, mas você é o único que me cumprimenta pela manhã e se despede de mim à noite. Os restantes me tratam como se eu fosse invisível. Hoje, como todos os dias, você me disse seu simples ‘olá’ na entrada, mas nunca ouvi o ‘até amanhã’. Espero o seu ‘olá’ e ‘amanhã’ todos os dias. Para você eu sou alguém. Ao não ouvir a sua despedida, eu sabia que algo tinha acontecido… Procurei e encontrei!”
Quero deixar esta reflexão: sejam humildes e amem o próximo. A vida é curta de mais e temos um impacto que não conseguimos sequer imaginar sobre as pessoas com que nos cruzamos.
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