Ou nos libertamos do superávit primário ou ele destrói o Brasil
Dia 11, a voz das ruas exige que o dinheiro público vá para o público:
transportes, educação e saúde
Acostumar-se com
a mediocridade não é próprio do ser humano. Muito menos é próprio de um povo que em poucos anos construiu uma Nação – e uma
economia nacional poderosa – e que há pouco mais de dois anos levava o seu
país a um crescimento que estava entre os maiores do mundo.
Correu na mídia que o governo
federal, "assustado com as manifestações programadas para o dia 11 de
julho", teria tentado desmobilizar alguns setores, através do
secretário-geral da Presidência, Gilberto Carvalho. Deve ser apenas intriga
e boato. Não acreditamos que o governo tenha uma visão tão curta – e até
porque seria inútil tal interferência.
Dois anos e meio de estagnação
– ou pior, pois andamos para trás durante esse tempo – estão na origem das
manifestações convocadas pelas centrais sindicais, outras entidades
populares e movimentos sociais para a próxima quinta-feira. Se o governo,
como dizem seus próceres, quer romper com essa estagnação, nada como ouvir a
verdadeira voz das ruas.
TANCREDO
Há 30 anos, um dos patriarcas
do Brasil, um de nossos maiores contemporâneos, proclamou:
"A história de qualquer
Nação é a história de sua crise. É no inconformismo dos homens que se
assenta a sua grandeza, e mesmo a sua felicidade" (Tancredo Neves,
Recife, 12/10/1983).
No discurso que, em março de
1985, escreveu para sua posse na Presidência – e que não chegou a proferir –
Tancredo disse outra coisa muito sábia:
"Enganam-se os que imaginam
possível levantar uma Nação rica e poderosa sobre os ombros de um povo
explorado, doente, marginalizado e triste. Uma Nação só crescerá quando
crescer, em cada um de seus cidadãos, no conhecimento, na saúde, na alegria
e na liberdade".
Mas nada, talvez, se compare às
palavras que Tancredo pronunciou ao aceitar sua candidatura a presidente da
República, a 7 de agosto de 1984:
"A causa do povo, se
dispensa radicalismos, exige coragem.
"Os países credores (…)
ampliaram as restrições ao nosso desenvolvimento econômico. A flutuação da
taxa de juros (…) está levando o nosso povo a penosos sacrifícios. Já
exaustos, os trabalhadores se esfalfam para produzir bens que se convertam
em divisas, a fim de atender à ambição insaciável do sistema financeiro
internacional.
"A recessão e o desemprego
não são moedas de ajuste entre povos dignos.
"Não é possível que o País
continue enviando para o exterior 5% da renda interna sob forma de pagamento
de juros, outros serviços e amortizações. Tal saída de recursos corresponde
a verdadeira sangria na economia nacional e se materializa, em última
instância, pela transferência de parcela da produção nacional ao exterior.
"Mais danosa do que os
gravames que nos impõem é a bruta injustiça nas relações de intercâmbio
entre os países do hemisfério norte e os que se situam ao sul. A colonização
política, que tanto custou aos povos, foi substituída pelos ardis do
comércio externo e das relações financeiras".
A situação atual não é,
evidentemente, a mesma. Não há uma ditadura, nem um governo, como o dos
tucanos, de traição nacional. A presidente Dilma foi eleita pela maioria dos
brasileiros contra o entreguismo e – forçoso é dizer – contra o subfascismo,
isto é, o fascismo subdesenvolvido.
Porém, temos um governo
paralisado pela sanha financista do superávit primário, isto é, pela
pilhagem via juros, pela invasão de dólares vadios e multinacionais, pelo
medo que as coisas desandem – o que somente leva a que elas desandem. O
resultado é o bloqueio dos investimentos públicos, a derrubada do
crescimento, a crença alucinada - porque fugitiva - de que o capital
estrangeiro, via concessões e privatizações, vai desenvolver o Brasil e a
devastação dos serviços públicos, que é a face mais evidente dessa
paralisia. O 11 de julho é, justamente, uma ajuda e uma oportunidade para
que o governo vá à frente, rompa com a pasmaceira com que se conduziu - até
que a situação se tornou insuportável.
MÍNIMO
Vejamos, agora, alguns dados
para a reflexão dos leitores – e do governo.
Pode parecer incrível,
considerando a situação do atendimento na área da Saúde, que o governo
federal, de janeiro a maio deste ano, tenha ficado abaixo do mínimo
constitucional nessa área.
Pela Constituição, o mínimo que
o governo deveria aplicar na Saúde até maio seria R$ 26.050.905.000 (26
bilhões, 50 milhões e 905 mil reais). Isto corresponde, como manda a lei, "ao
valor empenhado no exercício financeiro anterior, acrescido de, no mínimo, o
percentual correspondente à variação nominal do Produto Interno Bruto (PIB)"
(artigo 5º da Lei Complementar nº 141/2012, que regulamenta o artigo 198 §
3º da Constituição).
No entanto, o governo aplicou
na Saúde R$ 25.885.810.000 (25 bilhões, 885 milhões e 810 mil reais). Ou
seja, o governo dispendeu R$ -165.095.000 (menos 165 milhões e 95 mil
reais) do que determina a lei (cf. TN, RREO, maio/2013, p. 43, Anexo XV
–Demonstrativo das Despesas com Saúde).
Poderia ser apenas um acidente,
se a mesma coisa não acontecesse com a Educação, apesar da insopitável
tagarelice do ministro Mercadante.
De janeiro a maio, o governo
federal dispendeu, com o ensino, R$ 14.757.934.000 (14 bilhões, 757 milhões
e 934 mil reais). Mas o limite mínimo obrigatório era R$ 18.617.727.000 (18
bilhões, 617 milhões e 727 mil reais), que corresponde a 18% da receita
líquida de impostos (artigo 212 da Constituição).
Ou seja, o governo federal
aplicou R$ -3.859.793.000 (menos 3 bilhões, 859 milhões e 793 mil
reais) do que o mínimo que a Constituição determina (cf. TN, RREO,
maio/2013, p. 42, Anexo X – Demonstrativo das Receitas e Despesas com
Manutenção e Desenvolvimento do Ensino).
Nos dois casos, as autoridades
poderiam dizer que o limite mínimo da lei é anual, portanto, não cometeram
qualquer delito, já que o ano só termina em dezembro. Seria uma argumentação
de jerico. O que importa para o povo é que o governo federal optou por
gastar (investir ou dispender em custeio) não somente menos do que poderia,
mas, até mesmo, menos do que o mínimo que as leis, a começar pela
Constituição, consideram que é de bom senso aplicar no período.
RESTOS
Também não é possível agitar o
pagamento de "restos a pagar" (despesas de outros anos) para fugir dessa
questão, embora o governo esteja pagando "restos", ainda, do Orçamento de
2004 (v. RREO, pág. 43). Mas isso apenas acentua que, nesse passo, se a
situação não explodir, daqui a nove anos o governo do ano de 2022 estará
pagando os "restos" do Orçamento de 2013...
O mesmo se pode dizer dos
investimentos em geral: até maio, os investimentos orçamentários assomavam a
R$ 2,31 bilhões, ou seja, 2,07% da verba anual (atualizada) de R$ 111,28
bilhões.
Quanto às estatais, a situação
é pouco melhor devido à Petrobrás, que, no primeiro quadrimestre, investiu
R$ 19,5 bilhões (65,2% do investimento das 72 estatais federais. Os
investimentos somados das empresas do grupo Petrobrás foram 89,8% dos
investimentos de R$ 29,9 bilhões das estatais).
Enquanto isso, o governo
federal, de janeiro a maio, pagava R$ 92,3 bilhões em juros – 3,6 vezes o
que aplicou na Saúde, 6,3 vezes o que dispendeu com Educação, 40 vezes o
investimento orçamentário do período e 3 vezes o investimento das estatais.
Portanto, leitores, todos nas
ruas no 11 de julho!
CARLOS LOPES
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