Prezado
companheiro Eduardo Guimarães
Primeiro, esclareço-te que sou teu admirador. Que consulto
diariamente o teu blog e aprecio informações preciosas que compartilhas com teu
público, sendo, inclusive, copiado por grandes sites do País. Acompanho os teus
movimentos e apoiei de perto tua manifestação de solidariedade ao Ministro
Ricardo Lewandowski, injustiçado pela mídia dominante e colonizada. Escrevi
vários comentários ao abaixo assinado que promoveste ao juiz não manipulado
pela opinião publicada, pena que censuraste a todos e os excluísses de teu blog.
Confesso que me choquei com tua atitude e não a compreendi no momento. Ao ler o
teu artigo sobre a demissão do Papo Bento XVI e sobre o que denominaste de “dano
que as religiões causam na humanidade” (aqui) entendi, embora triste, tuas “razões.
Assim como colocaste nos casos dos “papas hóstias”, dos fariseus
e incoerentes que torturavam presos políticos durante a ditadura depois de ir à
missa dominical das 10h e das pessoas que vivem enfiados em igrejas mas não são
solidárias com o próximo, concordo contigo. Realmente é assim. É impressionante
a grande quantidade de pessoas que freqüenta missas e cultos e que não se
comove com as dores do próximo. É verdade que muitos religiosos, que nada
entendem de religião nem de Evangelho nem de fé, aferram-se a preconceitos
danosos e destrutivos contra homossexuais, negros, comunistas e revolucionários
de todas as ideologias. Aliás, eu é que não entendo como se dá tão alto nível
de contradição entre os que pregam uma coisa e fazem outra completamente
diferente. Tens razão ao relacionares atrasos políticos e econômicos nos países
onde as religiões são marcantes. Tanto quanto tu, Eduardo, me indigno com essa
gente que trai os postulados evangélicos ao perpetrar o atraso, o ódio, a
intolerância e a divisão.
Porém, caro Jornalista Eduardo Guimarães, apesar de dedicares
à grande causa da democracia e contra a dominação da direita, que tenta
boicotar o desenvolvimento no Brasil através da mídia, foste injusto e
superficial em tua análise, para ti sem importância, além de equivocado quanto
a esse assunto. Receio que foste estreito e sectário em tua “avaliação”. Por
isso me censuraste tantas vezes, afinal sempre assinei meus comentários em teu
blog com minha marca episcopal.
Refiro-me a confusão que fizeste texto entre religião e fé.
Tanto que disseste que crês em Deus, mas não crês em religião, em igreja. Aí
está uma afirmação que na verdade mostra que és religioso, mas não tens fé. Todas as pessoas religiosas
confessam que crêem em Deus. Porém, elas não crêem em agregação, em espírito
coletivo, em fraternidade, no outro, em solidariedade. Fecham-se em si
individualmente ou nos seus interesses de classes com suas respectivas alianças
e dogmas, como os “papas hóstias” e torturadores que depois de ler a Bíblia ou
de ir a culto ou missa desciam aos porões fétidos da ditadura para destruir e
matar os que criam na luta, inclusive muitos cristãos. Confessas que crês em
Deus, mas não aceitas intermediários como igrejas. À tua moda és um religioso
que fechas Deus em teu sistema. Pelo que escreves confundes o conceito técnico
de igreja com sistema eclesiástico, hierarquia, templo e tudo que os valha, bem
religiosamente como todos os outros que criticas. Não mencionas em tua crítica
superficial os compromissos desse Deus em quem crês. Parece até que trata-se de
um divindade particular tua, sem proposta, sem projeto, sem compromisso com os
outros, sem fé. Nessa perspectiva, tua crítica revela uma religiosidade tão
danosa por ser individualista e particularista como a que desdenhas nos outros.
Não consegues perceber o pano de fundo do fenômeno religioso que criticas, tal
é o primarismo de quem se mete em seara que não domina.
É exatamente nesse ponto, caro e respeitado Jornalista Eduardo
(nota bem que escrevo tua profissão com “J” maiúsculo exatamente porque te
respeito) que és injusto com muita gente e com a história de milhares de
religiosos. Não consegues perceber que o problema dos que se dizem religiosos e
fazem o que enumeraste não porque sejam religiosos nem porque a religião seja
danosa. Agem assim porque são de direita ou alienadas, o que mais ou menos é a
mesma coisa. As pessoas de direita não se sensibilizam com Bíblia, com Jesus,
com próximo nem com nada. Tudo é fachada para elas. Tudo é farisaísmo, como as
denunciou Jesus no início do movimento cristão primitivo. São egoístas,
estúpidas, opressoras e não titubeiam em pisar de botas por cima dos outros. Isso
não consegues examinar. No ano passado escreveste um artigo sobre um amigo teu
que acha que no bairro dele está tudo bem e que não precisa mudar a política, por
isso ele defendia a eleição de José Serra para continuar tudo na mesma.
Criticaste-o com razão. Identificaste nele a bestialidade da alienação de um
classe média medíocre. Pois esse é caso de qualquer um, inclusive de gente que
se diz religiosa.
Foste injusto em tua confusa e incompetente análise ao
deixares fora de qualquer respeito e consideração religiosos como o Padre
Camilo Torres, Padre Ernesto Cardenal, Dom Helder Câmara, Dom
Pedro Cassaldáliga, Irmã Dorothy, Dom Tomaz Balduíno, Frei Betto, o Teólogo Leonardo Boff, Frei Titto e
milhares de religiosos/as católicos romanos e protestantes que, em nome da fé
na luta pela construção de um mundo mais justo, morreram torturados nas mesmas
masmorras onde tantos combatentes tombaram para fertilizar com seu sangue os
caminhos da revolução. Foste injusto inclusive com teu partido, que defendes
com ardor e paixão, o PT, que é fruto de boa parte de militantes da Teologia da
Libertação.
Sinceramente Eduardo, penso que o sectarismo é extremamente
prejudicial, desde análises excludentes e divisionistas até ao hegemonismo que
praticam de achar que somente algumas correntes devem atuar no cenário político
da construção do Brasil justo para todos. Preferiria te ler criticando
claramente o direitismo de Bento XVI, de João Paulo II, de Silas Malafaia e de
outros que contribuem para a marcha ré da história do que colocar ingênua e
irresponsavelmente todo o mundo na mesma vala.
Lamento, por um lado, que teu texto sirva muito mais de
combustível para a direita do que a de instrumentalizar pessoas potencialmente
revolucionárias que atuam nos mais diferentes seguimentos religiosos e de que
tenhas injustamente me discriminado pelo fato de eu ser bispo, portanto
religioso, embora de esquerda e revolucionário.
Por outro lado, com absoluta honestidade, reconheço teus
valores e teu amor ao Brasil. Tua ONG tem inestimáveis contribuições a dar ao
processo democrático brasileiro. Teu blog é uma referência. Conforto-me por
nunca te discriminar, como o fizeste comigo.
Peço-te humildade agregadora e comunhão no acolhimento de
todas as pessoas que lutam por justiça social.
Abraços críticos e fraternos sempre na luta por justiça
social e pela paz.
Dom Orvandil: bispo cabano, farrapo e republicano.
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